Em fevereiro de 2025, nas Unidades de Conservação federais do extremo sul da Bahia, uma equipe de pesquisadores do Projeto Harpia Mata Atlântica embarcou em uma missão especial.
Convidados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, partiram para uma expedição que revelaria encontros importantes com algumas das aves de rapina mais emblemáticas do Brasil.
O destino? Os Parques Nacionais do Descobrimento e Histórico do Monte Pascoal, áreas protegidas que integram as Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento, reconhecidas como Patrimônio Mundial Natural pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco.
A região também é reconhecida como território milenar do povo Pataxó e berço da história e cultura do Brasil.

Os Parnas do Descobrimento e Histórico do Monte Pascoal são remanescentes florestais com 22.607,74 hectares e 22.240,67 hectares, respectivamente, da alta floresta atlântica da Hileia Baiana. As reservas são estratégicas para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do mundo.
Essas áreas são fontes de biodiversidade e refúgios das grandes águias florestais, abrigando espécies icônicas, como a harpia, o uiraçu, gavião-de-penacho, gavião-pega-macaco e o gavião-pato, que desempenham um papel crucial na estrutura ecológica das florestas.
À esquerda, vista do mirante da Lagoa Só Não Vou, Parna do Descobrimento. À direita, vista da floresta do alto do Parna Histórico do Monte Pascoal. Fotos: Frederico Pereira
No topo da cadeia alimentar, essas águias controlam as populações de outras espécies e funcionam como bioindicadoras da integridade da floresta. Sua presença atesta a qualidade dos habitats protegidos por esses parques e ressalta a necessidade de manter e fortalecer ações de conservação nesses territórios.
Essa é a terceira visita do projeto ao Parna do Descobrimento e a primeira ao Parna Histórico do Monte Pascoal.
O avistamento da harpia
Os primeiros dias da expedição trouxeram emoção e esperança. Logo na primeira incursão no Parna do Descobrimento, a resposta foi rápida e arrebatadora: uma harpia (Harpia harpyja) cortou os céus com sua envergadura impressionante.


O avistamento durou apenas alguns instantes, mas tempo suficiente para o registro dos fotógrafos do projeto. A equipe celebrou mais um importante encontro com a rainha das florestas.
A harpia está ameaçada de extinção em toda sua distribuição, que abrange as florestas tropicais das Américas, sobretudo na Mata Atlântica, onde é considerada Criticamente Ameaçada de Extinção, principalmente devido a perda e fragmentação de habitat.
As florestas da Costa do Descobrimento são um dos últimos refúgios reprodutivos dessa espécie em todo o bioma.
Casais de gaviões-pato e gaviões-pega-macaco
O Parna do Descobrimento também revelou outros habitantes alados que a equipe buscava. Os pesquisadores registraram um casal de gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus).

Já no Parna Histórico do Monte Pascoal, outro momento marcante: um casal de gavião-pato (Spizaetus melanoleucus) foi avistado em um voo próximo, em um dos mirantes em cima do monte. O registro feito pelos pesquisadores marcou o encontro.
Embora o gavião-pega-macaco e o gavião-pato não sejam espécies consideradas ameaçadas de extinção, suas populações estão sendo reduzidas, principalmente na Mata Atlântica, onde a intensa fragmentação e o desmatamento desse bioma diminuíram drasticamente seu habitat.

O canto do uiraçu
Poucos sons evocam tanto mistério quanto o chamado do uiraçu (Morphnus guianensis), um dos mais esquivos predadores das florestas tropicais. E ele foi ouvido pela equipe do Projeto Harpia Mata Atlântica no Parna do Descobrimento.
Durante a expedição, ouvir o canto dessa ave raramente registrada, foi uma evidência valiosa para os cientistas que buscam entender a ocorrência dessa espécie na Mata Atlântica.
Ainda mais raro que sua irmã harpia, o enigmático uiraçu também é considerado Criticamente Ameaçado de Extinção na Mata Atlântica.
Apesar de existirem alguns registros da espécie nesse bioma, até hoje nenhum ninho foi documentado, o que evidencia o quanto seu comportamento reprodutivo e ecologia seguem praticamente desconhecidos na região.
O registro de nidificação que coroou a expedição
Percorrer os 1700 metros de trilha e alcançar os 586 metros de altura do Monte Pascoal, foi de tirar o fôlego da equipe, não somente pelo esforço da subida carregando os equipamentos, mas também pela linda vista da floresta revelada de cima.
Vista do alto, entre as copas das árvores aos pés do monte, uma grande estrutura de galhos cuidadosamente colocados na forquilha de uma delas, chamou a atenção.
No dia seguinte, por dentro da floresta, a equipe foi conduzida pelos Pataxós até o local da árvore com a estrutura.
O ninho imponente coroava um majestoso embiruçu, uma das árvores preferidas para a nidificação das grandes águias florestais na Mata Atlântica da Costa do Descobrimento.
O ninho grande, com bastante galhos, deve ter levado muito tempo para ser construído. Quem teria celebrado essa coroação?

Os pesquisadores investigaram cada detalhe, mas não encontraram nenhuma evidência de atividade reprodutiva recente no ninho e de quem seria o seu construtor.
Águias florestais costumam retornar à mesma árvore-ninho para se reproduzirem, dedicando bastante tempo à reforma do ninho, à incubação dos ovos e aos cuidados com os filhotes.
Por isso, é fundamental o monitoramento para identificar o verdadeiro dono do ninho localizado no Parna Histórico do Monte Pascoal. Esse é mais um ninho que o Projeto Harpia Mata Atlântica passará a acompanhar.
Seria um ninho de harpia? A resposta virá com o tempo, reforçando a importância de manter os olhos atentos, continuar a ouvir as comunidades e a pesquisa nessas florestas.
Um ninho é sempre um símbolo de esperança, pois representa a continuidade da vida e a renovação das espécies em seu ambiente natural. Encontrar um ninho em uma reserva indica que, apesar das pressões e ameaças que a natureza enfrenta, ainda existem espaços seguros onde a vida insiste em prosperar.
Sabedoria ancestral: o diálogo com os Pataxós
A expedição não se resumiu apenas à busca por aves. Em um momento de troca cultural, os pesquisadores foram recebidos pela comunidade das Terras Indígenas Barra Velha e Barra Velha do Monte Pascoal.
Em uma palestra repleta de significado, discutiram a importância das aves de rapina para o equilíbrio ecológico e como o conhecimento tradicional dos Pataxós pode se aliar à pesquisa científica para fortalecer a conservação desses territórios.
O encontro selou o começo de uma parceria entre o Projeto Harpia Mata Atlântica e o povo Pataxó dedicada à pesquisa e à conservação das águias no Monte Pascoal.


Unidos pela conservação
Ao longo dos dias de expedição, um elemento foi fundamental: a colaboração entre o Projeto Harpia Mata Atlântica, o ICMBio e os Pataxós.
A parceria entre instituições, comunidades locais e pesquisadores é importante, pois, para proteger as grandes águias florestais, é necessário unir esforços e compartilhar conhecimentos.
À esquerda, Jailson de Souza, integrante da equipe, no mirante da Lagoa Só Não Vou, Parna do Descobrimento Mirante. À direita, Cacique Oziel Santana no mirante do topo do Parna Histórico do Monte Pascoal. Fotos: Frederico Pereira.
A viagem também evidenciou desafios urgentes. O desmatamento próximo às áreas prioritárias para a conservação das águias, mostrou que a pressão humana sobre esses habitats ainda é uma ameaça real.
Árvores derrubadas no Parna Histórico do Monte Pascoal. Fotos: Frederico Pereira.
Mas cada dado coletado e cada história contada reforçam a necessidade de continuar. A Mata Atlântica guarda tesouros vivos que dependem de nossa atenção e compromisso.
A jornada pode ter terminado, mas a missão de proteger as águias florestais continua. Acompanhe o Projeto Harpia Mata Atlântica e junte-se a essa causa: a conservação precisa de todos nós.
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O Projeto Harpia Mata Atlântica agradece todo o suporte de nossos parceiros e apoiadores!
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CONTATOS
Email: projetoharpiama@gmail.com
Disk Harpia: 27 99671-7416
Site: www.projetoharpia.org



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